“I Never Loved A Man The Way I Love You” (Atlantic Records, 1967), Aretha Franklin


A gravadora Columbia Records parecia não ter a dimensão do tamanho da joia preciosa que tinha nas mãos chamada Aretha Franklin. Por cerca de cinco anos, entre 1961 e 1966, Aretha fez parte do cast da Columbia, e lá gravou nove álbuns cujo repertório era de standards do jazz. A Columbia queria fazer dela uma diva do jazz, e ignorava completamente o seu potencial para a soul music.

Ignorar isso era tentar enterrar o passado daquela garota cuja escola musical era a música gospel, um gênero que foi o alicerce da soul music. Filha do pastor protestante Clarence LaVaughn Franklin e de Barbara Siggers Franklin, Aretha nasceu em 1942, em Memphis, Estados Unidos. Começou cantando música gospel aos 10 anos de idade na igreja do seu pai, a New Bethel Baptist Church, em Detroit, cidade para onde a sua família havia se mudado quando ela ainda era criança. Em 1956, aos 14 anos, lançou o seu primeiro álbum, todo dedicado ao gospel.

Pai da estrela: o pastor protestante Clarence LaVaughn Franklin
foi o grande incentivador da filha. 

Em 1961, foi contratada pela Columbia Records, tendo como seu produtor John Hammond. A intenção da Columbia era transformar aquela garota gospel numa diva do jazz, numa “nova Billie Holiday”, apesar do seu potencial vocal acenar para a soul music e o R&B. Os nove álbuns que lançou pela Columbia eram bem produzidos, mas suas vendas eram bem modestas.

Seu contrato com a Columbia chegou ao fim, em 1966, e não foi renovado. E foi aí que entrou em cena Jerry Wexler, produtor e executivo da Atlantic Records, profissional que já havia trabalhado com grandes estrelas como Ruth Brown e Ray Charles. Wexler enxergou o talento dela para a soul music, coisa que nenhum executivo da Columbia parecia ter percebido por todo o tempo em que ela passou naquela companhia. Aretha assinou com a Atlantic, e logo em janeiro de 1967, ela, o seu marido e empresário Ted White, e o produtor Jerry Wexler, voaram para Muscle Shoals, no Alabama, para começar no Fame Studio, as sessões de gravação do seu primeiro álbum pela Atlantic Records.

Produtor Jerry Wexler, Aretha Franklin e Ted White (em pé), durante a assinatura de contrato
com a Atlantic Records, em 1966..

Contudo, as sessões no Fame Studio não foram nada tranquilas. O marido de Aretha se desentendeu com um dos membros da banda de apoio durante as gravações. Apenas duas músicas foram gravadas, e as sessões de gravação acabaram sendo transferidas para os estúdios da Atlantic em Nova York.

Para o seu álbum de estreia na nova gravadora, Aretha compôs quatro músicas. Além de cantar, iria se acompanhar ao piano, outra habilidade que ela possuía, chegando o seu estilo de tocar o instrumento a ser comparado ao de Ray Charles. Para a gravação do álbum, Wexler decidiu gravar primeiro Aretha ao piano. Os arranjos de toda a base instrumental das faixas foram construídos tendo como referência o piano de Aretha.

Batizado de I Never Loved A Man The Way I Love You, além de contar com canções da própria Aretha em parceria com outros autores, o álbum traz alguns regravações que foram sucesso nas vozes de Ray Charles, Otis Redding e Sam Cooke.

Otis Redding: lenda da soul music e
autor de "Respect"
O álbum abre com “Respect”, canção de Otis Redding gravada originalmente em 1965. Apesar de ter feito um sucesso razoável com Redding, a canção ganhou uma versão definitiva e arrebatadora com Aretha Franklin. Enquanto na versão de Redding, o marido cobrava da esposa respeito, a versão de Aretha invertia a situação. Para tanto, a cantora fez algumas alterações, onde a mulher era quem cobrava do marido respeito. O canto forte e determinado de Aretha, acompanhado pelos apoios vocais de suas irmãs, Carolyn e Erma Franklin, transformaram a versão da cantora num hino feminista dos anos 1960, superando em popularidade a versão original de Otis Redding.

“Drown In My Own Tears” foi gravada pela primeira vez pela cantora Lula Reed, em 1951, mas ficou mais conhecida através de Ray Charles, em 1956. A versão de Aretha mantém o espírito bluesístico das versões de Reed e Charles, porém acrescidos de vocalizações de soul music.  “I Never Loved A Man (The Way I Love You)”, faixa que dá nome ao álbum, é um misto de blues e soul sobre uma mulher completamente apaixonada por um home que a trai. Uma verdadeira canção “dor de cotovelo”, ou para os mais “moderninhos”, uma “sofrência”.

A balada jazzística "Soul Serenade" é mais uma regravação presente no álbum de Aretha. Foi  gravada pela primeira vez pelo saxofonista norte-americano King Curtis, em 1964. Uma das belas surpresas do álbum é “Don't Let Me Lose This Dream”, uma canção que é uma bossa-nova bem ao estilo dos norte-americanos: toque brasileiro com vocalizações de soul music. Composta por Aretha e sua irmã, Carolyn Franklin, a faixa “Baby, Baby, Baby” fecha o lado A. É uma balada apaixonante sobre um amor que chegou ao fim.

Aretha Franklin durante as sessões de gravação de I Never Loved A Man The Way I Love You.

O lado B do álbum começa com “Dr. Feelgood (Love Is A Serious Business)”, canção composta por Aretha e seu marido Ted White, na qual a cantora e seu piano encarnam incrivelmente o espírito do blues. A faixa seguinte é “Good Times”, uma regravação de um sucesso de Sam Cooke. Diferente do soul pop da versão original de Cooke e o seu canto suave, gravada em 1964,  a versão de Aretha é mais carregada no rhythm’n’blues, com ênfase no piano e na guitarra. Aretha canta de uma maneira mais livre e rasgada do que a versão mais “doce” de Sam Cooke.

“Do Right Woman, Do Right Man” é dotada de muito romantismo e ao mesmo tempo, de mensagens feministas em seus versos, ainda que de maneira muito sutil. Fala de igualdade e fidelidade entre os sexos dentro de um relacionamento: “A woman's only human / You should understand / She's not just a plaything / She's flesh and blood / Just like her man.” (“Uma mulher é apenas uma humana / Você deveria entender / Ela não é apenas um brinquedo / Ela é de carne e osso / Assim como seu homem.” “Save Me” é uma ótima pop song sobre desilusão amorosa e traz o saxofone contagiante de King Curtis, co-autor da música ao lado de Aretha e Carolyn Franklin.

Aretha Franklin fecha o álbum com chave de ouro com mais uma canção de Sam Cooke, “A Change Is Gonna Come”. Cooke a compôs depois que ele e sua esposa sofrerem discriminação racial  num hotel em Shreveport, na Louisiana, nos Estados Unidos. “A Change Is Gonna Come” fez um enorme sucesso na voz de Sam Cooke em 1964, e tornou-se uma canção em defesa dos direitos civis dos negros norte-americanos. Aretha a regravou de forma magistral em forma de blues.

Sam Cooke: Aretha Franklin regravou dois sucessos do astro da soul music, "Good Times" e "A Change Is Gonna Come". 


Lançado em 10 de março de 1967, I Never Loved A Man The Way I Love You conseguiu mostrar a essência de Aretha Franklin e alavancar a sua carreira. O álbum foi 2º lugar na parada da Billboard Hot 100 e 1º lugar na parada de black music. A versão de Aretha para “Respect” tornou-se uma grande sucesso, conquistando o posto de 1º lugar durante duas semanas, enquanto que “I Never Loved A Man (The Way I Love You)” alcançou o 9º lugar. Graças ao impacto de I Never Loved A Man The Way I Love You, aos bem sucedidos álbuns seguintes, e claro, ao seu talento, Aretha Franklin passou a ser chamada de “Queen Of Soul” ou “Lady Soul”, títulos mais do que justo à primeira dama da “música da alma”.

Faixas

Lado A
  1. "Respect" (Otis Redding)
  2. "Drown in My Own Tears" (Henry Glover)
  3. "I Never Loved a Man (The Way I Love You)" (Ronny Shannon)
  4. "Soul Serenade" (Curtis Ousley - Luther Dixon)
  5. "Don't Let Me Lose This Dream" (Aretha Franklin - Ted White)
  6. "Baby, Baby, Baby" (A. Franklin - Carolyn Franklin)


Lado B
  1. "Dr. Feelgood (Love Is a Serious Business)" (A. Franklin, White)
  2. "Good Times" (Sam Cooke)
  3. "Do Right Woman, Do Right Man" (Dan Penn, Chips Moman)
  4. "Save Me" (Ousley, A. Franklin, C. Franklin)
  5. "A Change Is Gonna Come" (Cooke)

Ouça na íntegra o álbum I Never Loved A Man
The Way I Love You


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